Na última sexta-feira (20), a Instituição Fiscal Independente (IFI) recebeu a economista fluminense Vilma da Conceição no seu quadro de diretores. A posse completou o processo iniciado com a indicação feita pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e deu forma final à composição da diretoria da IFI para os próximos anos. Os três diretores terão a missão de levar a IFI para seu quinto aniversário e além, com frescor de ideias e persistência nas práticas que fizeram da instituição uma referência em vários debates econômicos nacionais.

Vilma da Conceição tem bagagem acadêmica, com uma passagem pela Secretaria da Fazenda do Paraná. Seu currículo se soma, no comando da IFI, ao do diretor-executivo Felipe Salto, que foi pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e consultor na iniciativa privada, e com o diretor Daniel Couri, consultor legislativo de Orçamento, que também foi analista do Tribunal de Contas da União (TCU), e analista do Ministério do Planejamento.

A nova diretora chega com o desafio de liderar a incorporação de conceitos de análise estrutural da política fiscal, uma especialidade sua (veja nas entrevistas). Essa disposição chega no momento em que a instituição, já consolidada, tem atuado não só como uma observadora do quadro macroeconômico do país, mas tem pautado a discussão. O grupo foi criado em 2016 para estudar as contas públicas nacionais e publicar suas conclusões, provendo o Congresso, e toda a esfera pública, com material bem fundamentado para as disputas sempre intensas relacionadas ao Orçamento federal.

A IFI não tem nenhum poder decisório: suas análises são meramente consultivas. Mas o trabalho da instituição tem conquistado grande influência. Alertas da IFI ganharam o centro de várias discussões durante a reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103), os contingenciamentos orçamentários anuais do Executivo e a PEC Emergencial (Emenda Constitucional 109). De 2019 para cá, esse protagonismo já rendeu mais de 2.300 citações na cobertura jornalística nacional, termômetro importante para verificar que a IFI está extrapolando os corredores do parlamento e penetrando em outros centros de influência.

 
 
O respaldo para atuar com esse nível de projeção vem da independência do nome, garantida pelo mandato fixo dos diretores. Eles são escolhidos pelos senadores, mas não podem ser depostos. O modelo é testado internacionalmente. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contabiliza 28 instituições fiscais vinculadas aos parlamentos de seus países-membros, além de uma para a União Europeia. A IFI brasileira, aliás, foi aceita na rede de instituições fiscais da OCDE, apesar de o país não fazer parte da organização.

Nessas bases que a IFI tem aprofundado sua pauta, num momento decisivo para o Brasil, na retomada pós-pandemia, tendo no horizonte uma inflação crescente e tentando encontrar o rumo das reformas econômicas prometidas há anos por governo e Congresso. A IFI tem procurado oferecer um mapa preciso, apontando as práticas aconselháveis, com as evidências disponíveis. Além do estudo estrutural dos resultados primários no Orçamento, a diretoria deve inaugurar incursões em temas como o comportamento da receita durante a retomada econômica pós-pandemia e os efeitos da saúde e do envelhecimento da população sobre as finanças.

A evolução do prestígio da IFI também tem um reflexo físico. Recentemente, a instituição trocou a sua sede original — um gabinete térreo próximo às gráficas, depósitos e estacionamentos do Senado — por numa seção do segundo andar do prédio do Interlegis (a escola de governo do Senado), vizinha aos escritórios das secretarias da Comissão Diretora do Senado. Além dos diretores, a IFI conta com seis analistas, dois estagiários e uma secretária. Na sala de reuniões dessa nova casa os três diretores da IFI concederam entrevistas à Agência Senado.

Fonte: Agência Senado

 

Entrevista

Vilma da Conceição

“Desafio é enxergar a estrutura da política fiscal”

A mais nova diretora da IFI, empossada na semana passada, é Vilma da Conceição, aprovada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Primeira mulher e primeira negra na diretoria da instituição, ela também representa uma diversidade no background profissional, tendo trabalhado como assessora econômica no governo do Paraná.

O que é o conceito do resultado primário estrutural, que a IFI deve começar a implementar com mais destaque nas suas análises?

Significa ajustar a análise do resultado fiscal por ciclos econômicos e eliminar os efeitos não-recorrentes. O governo lança programas com o objetivo de melhorar o resultado primário em um determinado período — refinanciamentos tributários, por exemplo. O que acontece nessa situação não é uma melhora estrutural, de longo prazo. Você acaba tendo a impressão de que a situação fiscal do país está boa, mas ela decorre de eventos atípicos, que não necessariamente se repetirão. Isso se intensificou muito nos últimos anos: capitalização da Petrobras, cessão onerosa, repatriação de recursos... Todos esses eventos geram uma receita bilionária para o governo e artificialmente fazem com que se tenha a impressão de que o resultado fiscal está numa trajetória sustentável. Quando fazemos a limpeza dos dados, começamos a enxergar um déficit fiscal já em 2013, um ano antes do que vemos nas estatísticas fiscais convencionais. Sem contar a deterioração das receitas, que conseguimos enxergar a partir de 2008. Quando pegamos a variação do resultado estrutural, conseguimos saber se a política fiscal é contracionista ou expansionista, o que é um indicador muito importante para se avaliar.

Como essa observação pode ser incorporada como um critério permanente de análise das contas públicas?

Há um debate hoje sobre o uso desse indicador como uma regra fiscal. Isso é um estudo em andamento. Teríamos alguns ganhos, por ser uma série mais limpa, mas há ainda uma certa dificuldade. O resultado estrutural depende de algumas variáveis não-observáveis, como o PIB potencial da economia. Hoje não temos um consenso sobre qual é o PIB potencial. Quando se faz a estimativa do resultado estrutural usando diferentes metodologias de PIB potencial, chega-se a diferentes entendimentos sobre a política fiscal. É preciso definir qual é a melhor métrica. Vamos intensificar esse acompanhamento, fazer um estudo inicial e manter avaliações periódicas.

Você é a primeira diretora da IFI que trabalhou junto a um governo estadual. Qual é a perspectiva que essa experiência pode trazer para a instituição?

A IFI tem atuado com análises de finanças subnacionais, mas em menor proporção. O foco acaba ficando muito concentrado no setor público como um todo e no governo central. Um pouco mais de análise sobre os entes — municípios também — é uma demanda que surge muito e é algo com que eu posso contribuir. Já temos algumas análises sobre finanças estaduais, em projetos-piloto, e a IFI acaba atuando quando se tem alguma proposta do governo federal para estados e municípios, como a PEC Emergencial e a Lei Complementar 173 [auxílio federativo durante a pandemia]. Mas não é uma análise focada. É difícil olhar para governos locais, porque eles são muito diferentes. Quando falamos de crise nos governos estaduais, não são todos iguais. Alguns estão muito ruins, mas outros estão em uma situação fiscal saudável. Como se avalia isso, como se identificam essas diferenças e gargalos? É uma análise que demanda tempo, separação, entender as diferenças regionais. Ainda não está na pauta da IFI, mas podemos tentar.

Qual era a sua impressão sobre o trabalho da IFI, falando como uma observadora externa?

Acompanho os estudos e as publicações da IFI desde o início. Vejo como um órgão fundamental de transparência e acompanhamento das finanças públicas. Temos alguns institutos de pesquisa econômica que têm áreas de política fiscal, mas elas acabam sendo limitadas porque o foco deles é a atividade econômica como um todo. Embora a IFI ainda seja uma equipe pequena, o seu foco é dar transparência para as contas públicas. Ter uma instituição voltada para o acompanhamento da conjuntura fiscal é um ganho imensurável. Acho que as atribuições estão bem definidas e os avanços dependem do que o parlamento deseja. Temos que ver o que é feito internacionalmente e pegar bons exemplos.

Leia mais na Agência Senado