O Projeto de Lei (PL) da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados prevê um cashback aos contribuintes brasileiros, ou seja, a devolução de parte do dinheiro gasto. A proposta ainda precisa passar pela análise do Senado Federal.

Esse reembolso tem como objetivo combater as desigualdades de renda. No entanto, ainda existem questões em aberto, especialmente relacionadas à implementação, critérios de participação, público-alvo, valores de reembolso, entre outros detalhes que serão definidos posteriormente por meio de lei complementar.

Em entrevista à Infomoney, o advogado tributário da área consultiva, Bruno Marques Santo e os tributaristas do escritório Goulart Penteado, João Carlos Molisani e Julia Moura, responderam às principais dúvidas sobre o assunto. Confira:

O que é o cashback da reforma tributária?
O modelo de reembolso tributário é uma prática utilizada em diversos países para devolver parte dos tributos cobrados sobre o preço de bens e serviços à população, especialmente com o objetivo de reduzir a desigualdade de renda entre as camadas mais ricas e mais pobres da sociedade.

As camadas mais pobres da população têm uma proporção maior de sua renda destinada ao consumo, resultando em um peso maior dos tributos nos preços dos itens consumidos por elas. O sistema de cashback visa, portanto, equilibrar essa situação.

A proposta inicial no contexto brasileiro era reonerar os itens da cesta básica para toda a população e, ao mesmo tempo, conceder o benefício de reembolso dos impostos pagos pelos grupos mais vulneráveis.

Atualmente, os produtos da cesta básica já são isentos de tributos federais, e cada estado possui uma alíquota própria de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para diferentes produtos. Entretanto, todos se beneficiam disso, independentemente de sua renda ou da necessidade de um benefício fiscal.

O modelo de reembolso tributário idealizado propõe uma política pública mais focalizada, permitindo a cobrança de impostos de todos, mas com o mecanismo de reembolso destinado à camada mais pobre. Dessa forma, o governo não concederia benefícios fiscais à população que não precisa deles na cesta básica.

O cashback está relacionado à desoneração da cesta básica?
O modelo de cashback apresentado tem como objetivo principal beneficiar a população de baixa renda com o reembolso dos impostos pagos sobre alimentos e produtos da cesta básica, conforme explica Julia Moura, do escritório Goulart Penteado.

Ao longo das discussões para o texto-base e diante da pressão de alguns grupos, o conceito inicial do cashback foi sofrendo alterações. A versão do texto da reforma tributária aprovada pelos deputados institui uma “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, com produtos que seriam 100% desonerados. A lista de produtos contemplados seria definida posteriormente por meio de lei complementar.

No substitutivo da PEC aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada, também há a previsão de que uma lei complementar estabeleça as situações em que pessoas físicas receberiam valores reembolsados do novo imposto, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda no país. No entanto, na prática, as possibilidades de acesso ao benefício ficam limitadas às condições do novo modelo de desoneração.

Essa nova abordagem dificulta a implementação mais ampla do cashback, pois contém um maior número de exceções (ainda não se sabe o tamanho da lista de desoneração). Quanto maior o número de isenções ou desonerações, maior precisará ser a alíquota padrão do novo imposto, uma vez que ela terá que absorver os impactos das regras diferenciadas para manter o atual nível de carga tributária.

Além disso, esse novo modelo não defende a utilização da alíquota padrão do novo imposto sobre os alimentos, mas sim uma taxa intermediária, que poderia ser associada ao cashback.

O secretário extraordinário da reforma tributária na Câmara, Bernard Appy, argumenta que o modelo não deveria definir quais produtos seriam passíveis de reembolso, mas sim o valor total da compra. O sistema de reembolso poderia fazer uso de tecnologias já desenvolvidas, como o cartão do Bolsa Família, o Pix ou depósitos em contas bancárias.

Vale lembrar que a proposta do texto-base visa simplificar o sistema tributário brasileiro, unificando cinco impostos em um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que será dividido em dois, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) .

Como será a implementação do cashback?
Ainda existem muitas perguntas sem respostas sobre como exatamente o mecanismo funcionará, incluindo limites, forma de devolução e beneficiários, se ocorrerá de forma geral ou estará vinculado a algum tipo específico de consumo.

Não está claro se o cashback abrangerá apenas as famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou se haverá um limite maior de renda, como famílias com renda de até três salários mínimos.

Em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em março, Bernard Appy apresentou algumas sugestões sobre como a devolução ocorreria.

Segundo ele, o cashback poderia ser baseado no Cadastro de Pessoa Física (CPF) emitido na nota fiscal, com o valor da compra e a inscrição no Cadastro Único sendo cruzados para autorizar a devolução.

Ele mencionou o exemplo do Rio Grande do Sul, que implementou um sistema de devolução do ICMS em 2021 para famílias inscritas no Cadastro Único com renda de até três salários mínimos, por meio de um cartão de crédito.

Inicialmente, o governo gaúcho devolvia um valor fixo por família, mas agora começou a devolver por CPF, com base no cruzamento de dados entre o valor da compra e a situação cadastral da família. Em áreas remotas, sem acesso à internet, o secretário extraordinário da Reforma Tributária sugeriu um sistema de transferência direta de renda, complementar ao Bolsa Família.

O advogado tributário Bruno Santo acrescentou que diversos países utilizam o conceito do cashback em seus modelos de IVA, como Canadá, Bolívia, Uruguai e Colômbia.

Não existe uma regra geral sobre como o modelo deve ser construído, mas três itens básicos precisam ser bem definidos:

Quem serão os beneficiários do cashback;
Como eles poderão efetivamente utilizar o cashback; e
Criação de mecanismos antifraude.
Em países como Colômbia e Canadá, são feitos pagamentos periódicos em valores pré-definidos por pessoa ou por família. No Uruguai, um modelo que foi muito analisado pelo governo, existe um aplicativo para controlar em tempo real o cashback. Além disso, no Canadá, a restituição ocorre para aqueles que entregaram a declaração do imposto de renda.

Quando o cashback entrará em vigor?
Todas as regras sobre o funcionamento do cashback e a desoneração da cesta básica serão definidas por lei complementar, de acordo com o texto-base aprovado.

A Lei Complementar no Brasil é um tipo de legislação que complementa, explica ou acrescenta algo à Constituição Federal. Ela é utilizada quando a Constituição determina uma matéria que necessita de normas mais detalhadas para ser aplicada.

Neste caso, o cashback e seu mecanismo só passarão a valer depois da promulgação da PEC e das definições da lei complementar. Será preciso levar em conta as portarias e instruções normativas que regulamentarão a lei, assumindo que o Senado não insira mais detalhes ou alterações no texto final.

Por se tratar de uma PEC, o texto precisa do apoio de 3/5 dos votos em todas as votações de mérito nos plenários das casas legislativas. Isso requer um mínimo de 308 votos de deputados e 49 de senadores.

Quem seria beneficiado com o cashback?
A ideia é que a população mais pobre seja beneficiada com o reembolso dos impostos, mas ainda é preciso definir critérios para enquadrar os cidadãos no benefício fiscal, incluindo faixas de renda, vínculo de consumo com algum produto específico e até mesmo gênero e raça – tudo dependerá do desenho final ainda a ser construído.

De acordo com o governo federal, o CadÚnico, que permite o acesso de famílias em situação de vulnerabilidade social a ações como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada, poderia ser uma referência para o cashback.

Além disso, na visão do advogado tributário Santo, as empresas podem ter um benefício indireto por meio do mecanismo de cashback, já que a percepção do custo de seus produtos para o consumidor será menor se houver um sistema de reembolso rápido e eficiente.

Quais os prós e contras do cashback e da desoneração?
O fim da desoneração de produtos da cesta básica e a implementação do cashback para os mais pobres divide opiniões no Congresso Nacional. A bancada ruralista, por exemplo, teme que o aumento de impostos sobre alimentos prejudique o setor.

Os modelos de cashback oferecem uma ação mais focada na parcela mais pobre da população do que a redução geral da alíquota. Por outro lado, a redução geral da alíquota é mais simples de implementar e pode ser mais assertiva na opinião dos especialistas consultados.

O cashback pode ser ineficiente se houver demora ou se o sistema para obtê-lo for complexo a ponto de deixar algumas pessoas sem acesso a ele.

O deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE) argumenta que o modelo exigiria “capital de giro” da população mais pobre, que teria que adquirir produtos com impostos que hoje são isentos para, somente depois de um determinado tempo, ser beneficiada pela devolução dos valores recolhidos.

Uma solução seria implementar o cashback de forma automática e imediata, mas essa situação também divide opiniões sobre a execução.

Para combater fraudes, a partir do uso indevido de um CPF beneficiário por terceiros, o parlamentar sugere a aplicação de um teto para compras isentas. Uma vez que o valor pago em produtos da cesta básica em um período específico seja ultrapassado, o cidadão beneficiário passaria a ser tributado no excedente até a renovação do ciclo.

Quais os desafios de implementação do cashback?
Embora o escopo do conceito do cashback possa ser reduzido, considerando o texto-base já aprovado, existem alguns receios em relação à sua implementação.

Os principais pontos levantados pelos especialistas consultados são:

Definir o mecanismo de devolução dos valores, que precisa ser ágil e à prova de fraudes de identidade, bem como delimitar um teto para a restituição do imposto;
Definir quem será a população atingida e quais serão os tipos de produtos e serviços que darão direito ao cashback.
O tributarista do escritório Goulart Penteado, João Carlos Molisani, destaca outro ponto sobre a privacidade dos beneficiários. Ele ressalta que é necessário que os entes federativos compartilhem informações relevantes de forma segura sobre os contribuintes, como dados de consumo e pagamento de impostos. É essencial que haja um sistema de segurança eficiente para a troca dessas informações, uma vez que são de cunho pessoal.

O deputado federal Mauro Benevides Filho (PDT-CE) argumenta que o modelo exigiria “capital de giro” da população mais pobre, que teria que adquirir produtos com impostos que hoje são isentos para, somente depois de um determinado tempo, ser beneficiada pela devolução dos valores recolhidos.

Uma solução seria implementar o cashback de forma automática e imediata, mas essa situação também divide opiniões sobre a execução.

Para combater fraudes, a partir do uso indevido de um CPF beneficiário por terceiros, o parlamentar sugere a aplicação de um teto para compras isentas. Uma vez que o valor pago em produtos da cesta básica em um período específico seja ultrapassado, o cidadão beneficiário passaria a ser tributado no excedente até a renovação do ciclo.

Com informações da Infomoney

Fonte: Portal Contábeis